sexta-feira, 30 de março de 2012

Notícias (2)



Hoje é sábado de carnaval. O primeiro em dois anos sem você, me parece. E não fiz nada. Não tive forças. Estou bem, mas, não sei... simplesmente não consegui fazer nada. Relendo há pouco as páginas finais de a "Invenção de Morel" o personagem principal diz: "Quanto à dor, tenho uma impressão absurda: parece-me que aumenta, mas a sinto menos." Estou certamente nesse estágio de resignação em relação a nós dois. A dor aumenta; já me acostumei com a sua companhia. Torna-se, por isso, imperceptível por alguns instantes. Vive, no entanto, adormecida em mim junto a sua memória. Sabe, já cheguei a pensar que escrever esse blog fosse loucura, que só piorasse as coisas. O fato, no entanto, é que tem me ajudado a te evitar, superar e a deixar de recorrer a você sempre que a saudade me acomete. Bom, no final do livro - como, aliás, em todos os romances bobos - esse mesmo personagem principal se mata por amor. Ele escolhe a eternidade e a alienação como forma de se aproximar de uma mulher que ele nunca conheceu de verdade, com quem nunca conversou ou tocou, mas por quem, não obstante, se apaixonou. Tenho medo de, também eu, estar morrendo. Ficar em casa hoje me fez pensar o quão isolada estou das pessoas. E que você está provavelmente se divertindo, enquanto eu estou aqui... Não sinto nada. Não sinto alegria e não sinto tristeza. Zerada como nunca antes na minha história... (fevereiro 2012)

Sobre a (nossa) renúncia




Nesse inverno, temos errado, e muito, em nossa conduta um para com o outro. Você, incapaz de desfazer laços, segue me reivindicando e me empunhando como um norte. Eu, incapaz de resistir ao seu chamado, me mutilo todo dia ao perceber você em mim ainda e vivo como nunca.

Nesse sentido, a viagem não serviu de nada. Eu a havia imaginado como uma fuga de você e das lembranças que o Rio de Janeiro guarda de nós dois. Estamos em todo lugar. Os seus e-mails, nossas conversas, só me fizeram sofrer mais.

Estou me sentindo frágil, louca, triste. Obsessiva. O tempo deveria dar um jeito nesse amor recalcado, reprimido, mas tem falhado muito nessa tarefa. Não passa. Meu tempo não é mais aberto. Fechou-se. Estou presa.

Notícias (1)


Serei breve por hoje. Só quero contar que desde que nos despedimos adquiri o hábito de ver filmes no laptop. Descobri que essa é a única forma de se ter uma sessão realmente intimista. Tenho sido acompanhada por Bergman. É sensacional!! Ainda vejo e gosto de "besteirol", exceto aqueles com armas, explosões e personagens que não sou capaz de distinguir. Espero que um dia você se anime a conhecer esse diretor. Recomendo a trilogia do silêncio. (Janeiro 2012)

Os nós da solidão



Tenho nos descoberto (ou me descoberto) de uma maneira extraordinária nas minhas últimas visitas à Rousseau. A sensibilidade fina, latente, apaixonada e, de fato, devastadora, que podemos encontrar nele é para mim um retrato dos poucos anos em que estivemos juntos. Numa citação de Proust, retirada daquele livro do Bento Prado Jr. de que gostamos tanto, tem-se tudo isso resumidamente. A passagem, apesar de longa, é magistral! Nela lê-se:

E sem dúvida nos primeiros tempos tinha ele pensado com prazer, mesmo na solidão, que, por meio de suas obras, se dirigia à distância, dava mais alta idéia de si àqueles que o tinham desconhecido ou magoado. Talvez então vivesse sozinho, não por indiferença, mas por amor aos outros, e, como eu renunciara a Gilberte para reaparecer-lhe um dia sob cores amáveis, destinava a sua obra a alguns, como um retorno a eles, em que, sem o rever, o amariam, o adorariam, falariam a seu respeito; uma renúncia não é sempre total desde o princípio, quando a decidimos com a nossa alma antiga e antes que, em reação, tenha ela agido sobre nós, quer se trate da renúncia de um doente, de um monge, de um artista, de um herói. Mas se ele tinha querido produzir em vista de algumas pessoas, ao produzir vivera para si mesmo, longe da sociedade a que se tornara indiferente; e a prática da solidão lhe dera o amor da mesma, como acontece com toda grande coisa que a princípio tememos, porque a julgávamos incompatível com coisas menores a que nos apegávamos e de que ela menos nos priva do que nos desliga. Antes de a conhecer, toda a nossa preocupação é saber em que medida podemos conciliá-la com certos prazeres que deixam de ser logo que a conhecemos.

Sabe, Pedro, acho que, em nosso caso, pode ter acontecido algo semelhante a isso. Separadamente ou em conjunto, quando sequer nos conhecíamos, e mesmo depois disso, já desde muito cedo, sem qualquer explicação, aprendemos a cultuar a solidão. Acho que nos perdemos nesse caminho, desatentos a uma espécie de “presença-ausente” que acompanha essa condição. Ela esteve em nós e, principalmente, entre nós muitas vezes. Ela foi determinante, em que pese a sua importância e riqueza em vista do necessário exercício reflexivo, para a nossa separação. Ainda não conseguimos nos ceder para o outro. E vivemos muitas vezes juntos, mas separados. Então, nos perdemos um do outro. E, no meu caso, eu sinto como se tivesse me perdido de mim mesma e de muitos dos meus amores...

Às vezes penso que um exercício da vida adulta é aprender a realizar o movimento de viver uma vida conjunta, levando um outro (ou vários deles) em consideração, mas sem abordar o projeto de felicidade individual. Em algum ponto do nosso relacionamento achei que tivéssemos realizado isso. Já não tenho mais certeza. O que as minhas lembranças me apontam é que o fizemos, embora não tenhamos sabido construir os limites da nossa vida individual e de casal. Enfim, mas do que uma insegurança em relação às outras pessoas no mundo, o nosso relacionamento sofreu de uma insegurança, e de uma desconfiança, que ambos nutrimos em relação ao outro, no que diz respeito às nossas próprias concepções de relacionamento. E a maneira pela qual nós impomos as nossas convicções foi triste e sofrida.


Em que pese tudo isso, nos amamos muito e lindamente. Angustiante que seja esperar, o fragmento sobre a renúncia me conforta e me faz pensar que, quando tiver de ser, ela acontecerá para nós dois.

Aqui jazem mortos insones



"Alegrava-me ser um morto insone. (...) Um morto nesta ilha tu velaste. (...)
Já não estou morto: estou apaixonado."

La invensión de Morel, Bioy Casares.


A vida perfeita é um tipo de morte. É uma solidão cínica e letárgica. Hipócrita. Uma ilusão miserável, melancólica. Não passa de uma alucinação pobre e infantil. Viver realmente a perfectibilidade, isso é, acreditar que ela se instalou no cotidiano, é aceder à pré-história, à circularidade do tempo e a um futuro decaído pela reprodução viciada do presente. Ao contrário do que se pensa, é sucumbir à im-perfeição. Advogá-la é garantir essa estabilidade insólita para si à custa do espírito alheio. Cada conselho, cada investida irônica, cada apática simpatia, é um exercício de auto-afirmação; uma reflexão enviesada, cuja conclusão, de resto nada surpreendente, só faz reforçar o mais do mesmo. De tal forma compreendida, ela encerra, pois, um preconceito fundamental contra diferentes modos de vida e afetividade – considerando indicativos de menoridade, mesmo patologia, todos os desvios ao modelo hegemônico autoimposto. E é dessa forma que a opacidade se traveste de vitalidade. Não há insegurança. A vida, a novidade, a criação, reintroduz o imponderável. Fruto de um verdadeiro sentimento (exasperado!) de preservação, embalada por uma negação utópica – que não se restringe à antinomia, mas coloca-se para muito além dela –, a invenção é a única que pode romper com o padrão modorrento dessa rotina desanimada. Essa "perfeição" tanto quanto o desejo da homogeneidade que ela carrega são expressões de mediocridade. Como, afinal, será que crescem indivíduos cujas trajetórias de vida são tão lineares? Por que tanto medo do sofrimento? E por que tamanha rejeição às pedras que se encontram no caminho de qualquer um de nós? Não será o reconhecimento (não a ignorância) das dificuldades que perpassam a vida, estando-se disposto a superá-las, que lhe dão um motivo? Confesso que tenho medo dos golpes que a vida reserva àqueles que simplesmente escolheram não lidar com as suas frustrações. A minha geração escolheu não lidar com as suas frustrações. Vivemos como mortos insones.

Proêmio


Tudo começou assim. Terminamos, acho, em abril de 2011. Havíamos acabado de voltar de uma viagem linda à Europa - minha primeira viagem ao velho continente. Eu ainda comemorava a aprovação no curso de doutorado e me preparava, com todo o fôlego, para essa nova empreitada. Discutíamos muito. Eu estava irritadíssima e nem sabia dizer o porquê. Ficamos quatro sofridos meses separados, voltamos em agosto do mesmo ano. Em seguida, nova crise. Uma bolsa de sanduíche, para que ele fosse estudar em Paris, deflagrou nova separação. E, isso, justamente quando começávamos a nos aceitar, um ao outro, reciprocamente. Enfim, ao longo da reflexão que esse blog tem por finalidade arquivar, essa nota ficará mais evidente. Por ora, só importa o início do sofrimento, como tudo começou. E começou assim:


Pedro,

Consegui um tempinho, estou um pouco melhor, então lá vai:

Bom, você tem licença poética para falar comigo sempre que quiser dividir uma reflexão. Podemos combinar assim? Gostei de ter recebido o seu e-mail.

Não estou chateada com você, e nem poderia. Não acho que eu entenda coisas “pro pior”. Durante a nossa conversa eu entendi o que você me disse, ainda que o entendimento negativo tenha sido o resultado de não mais do que uma infeliz escolha de palavras. Quando você diz que “não consegue ser feliz em um relacionamento”, de fato, o que se comunica é que você não foi feliz no nosso relacionamento. Isso porque nós não estávamos falando de um relacionamento qualquer, abstrato, mas do nosso relacionamento. Nesse caso, inclusive, quem está maculando a nossa história é você, não eu. Por isso, eu insisti que você me explicasse o que quis dizer com essa frase. Mais uma vez, no entanto, isso não foi possível. De toda forma, você pode ficar tranqüilo. Não acredito no que você disse. Seria muito triste acreditar.

Também não tenho a menor intenção de simplificar o que vivemos para, daí, extrair um “sentido” do afastamento. O que eu te peço sempre não é propriamente um sentido cartesiano para o fim, um silogismo, como você mesmo disse, mas uma reflexão. Eu só gostaria de sentir que você está, assim como eu, pensando sobre você, sobre nossas atitudes, erros e acertos. Já te disse isso outras vezes, mas esse exercício é necessário para que possamos ser felizes juntos ou separados. Eu queria sentir que, assim como eu, você está se tornando mais forte com tudo isso. O motivo pelo qual eu digo que quero voltar é porque eu já fiz a minha reflexão, acho que já fiz à exaustão e, por isso, me sinto pronta para um recomeço. Essa minha atitude é de certa forma egoísta, mas, por outro lado, o egoísmo é legitimo nesse momento. Nesse caso, egoísmo é proteção. Uma tentativa de não sucumbir à depressão e ao pessimismo.

Eu reconheço o seu momento e necessidade de isolamento, solidão e reflexão. Considero-o absolutamente justo. Gostaria muito de poder te ajudar nesse caminho. Tudo o que eu queria era poder te ajudar nesse momento difícil. Não posso.

Não posso, em primeiro lugar, porque, como você bem notou ontem, a minha percepção sobre a realidade estará sempre afetada pelo amor e carinho infinitos que eu sinto por você. Não posso, porque esse amor faz com que a distância se torne uma violência contra mim. E não posso, porque não sei lidar com a ambigüidade e com a incerteza, que me machucam muito. Tamanha indecisão se apresenta em mim como um efeito paralisante, que impede, nesse momento tão importante da minha vida, que eu viva, que realize as minhas tarefas e que me sinta, enfim, feliz.

Quando eu disse que precisava de um tempo sem você, não me referia a dias. Meu amor é muito maior do que isso. Tenho a impressão que serão necessários meses, talvez, anos, para que finalmente eu possa me recompor do turbilhão de sentimentos que você me provocou.

Pedro, pra mim, ou melhor, em mim, você se manifesta como contradição. E eu acho que essa é razão de um amor tão forte. Pedro, eu me descubro em você. Não importa se positivamente ou negativamente: Eu me descubro em você. E eu ainda me descubro em você, mesmo à distância. Por essa razão, eu jamais serei capaz de sentir raiva, rancor, arrependimento ou qualquer outro sentimento negativo em relação a nós dois. Essas palavras não fazem e jamais farão parte do nosso vocabulário. Você fez de mim, sem dúvida alguma, uma pessoa melhor. Não tenho como agradecer isso.

Quando eu disse que preciso de um tempo é porque eu não consigo viver sem você. Ainda não. Mas preciso continuar a sobreviver até conseguir viver plenamente outra vez. Que fique claro: Você foi o homem mais importante da minha vida, aquele com que eu fui mais feliz, com quem eu mais me realizei sentimentalmente (e sexualmente). Eu te amo.

Enfim, é uma pena que precisemos passar por tudo isso. Mas, quem sabe, um dia, nós seremos capazes de olhar para trás e ver como tudo isso foi bom!? Como nos transformamos para melhor depois dessa fase horrível... Não quero romantizar o sofrimento. Essa fase é horrível.

Eu só gostaria que você entendesse que eu não podia mais viver aprisionada no que eu sinto por você. Não tenho forças para isso. É muito frustrante... Essa semana eu te pedi ajuda nesse processo de libertação. Sei que é sofrido para você também. Esse foi, todavia, um pedido desesperado de alguém que não agüenta mais sofrer.

Acho, de novo, que você ainda está mal, confuso, fragilizado. Tudo bem. Eu te amo, vou amar sempre, e vou viver com isso, simplesmente. Acontece. É a vida. Por ora, o meu último pedido é que você não pendure o nosso amor na estante empoeirada de livros junto com os Karamazovs. Se você acredita na gente, lute contra esse seu pesar. Eu ainda estou esperando.

Beijos,
Srta. Póloznev
19/05/2011