"Alegrava-me ser
um morto insone. (...) Um morto
nesta ilha tu velaste. (...)
Já não estou morto:
estou apaixonado."
La invensión de
Morel, Bioy Casares.
A vida perfeita é um tipo de morte. É uma solidão cínica e letárgica.
Hipócrita. Uma ilusão miserável, melancólica. Não passa de uma alucinação pobre
e infantil. Viver realmente a perfectibilidade, isso é, acreditar que ela se
instalou no cotidiano, é aceder à pré-história, à circularidade do tempo e a um
futuro decaído pela reprodução viciada do presente. Ao contrário do que se
pensa, é sucumbir à im-perfeição. Advogá-la é garantir essa estabilidade
insólita para si à custa do espírito alheio. Cada conselho, cada investida
irônica, cada apática simpatia, é um exercício de auto-afirmação; uma reflexão
enviesada, cuja conclusão, de resto nada surpreendente, só faz reforçar o mais
do mesmo. De tal forma compreendida, ela encerra, pois, um preconceito
fundamental contra diferentes modos de vida e afetividade – considerando
indicativos de menoridade, mesmo patologia, todos os desvios ao modelo
hegemônico autoimposto. E é dessa forma que a opacidade se traveste de
vitalidade. Não há insegurança. A vida, a novidade, a criação, reintroduz o
imponderável. Fruto de um verdadeiro sentimento (exasperado!) de preservação,
embalada por uma negação utópica – que não se restringe à antinomia, mas
coloca-se para muito além dela –, a invenção é a única que pode romper com o
padrão modorrento dessa rotina desanimada. Essa "perfeição" tanto
quanto o desejo da homogeneidade que ela carrega são expressões de mediocridade.
Como, afinal, será que crescem indivíduos cujas trajetórias de vida são tão
lineares? Por que tanto medo do sofrimento? E por que tamanha rejeição às
pedras que se encontram no caminho de qualquer um de nós? Não será o
reconhecimento (não a ignorância) das dificuldades que perpassam a vida,
estando-se disposto a superá-las, que lhe dão um motivo? Confesso que tenho
medo dos golpes que a vida reserva àqueles que simplesmente escolheram não
lidar com as suas frustrações. A minha geração escolheu não lidar com as suas
frustrações. Vivemos como mortos insones.
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