sexta-feira, 30 de março de 2012

Os nós da solidão



Tenho nos descoberto (ou me descoberto) de uma maneira extraordinária nas minhas últimas visitas à Rousseau. A sensibilidade fina, latente, apaixonada e, de fato, devastadora, que podemos encontrar nele é para mim um retrato dos poucos anos em que estivemos juntos. Numa citação de Proust, retirada daquele livro do Bento Prado Jr. de que gostamos tanto, tem-se tudo isso resumidamente. A passagem, apesar de longa, é magistral! Nela lê-se:

E sem dúvida nos primeiros tempos tinha ele pensado com prazer, mesmo na solidão, que, por meio de suas obras, se dirigia à distância, dava mais alta idéia de si àqueles que o tinham desconhecido ou magoado. Talvez então vivesse sozinho, não por indiferença, mas por amor aos outros, e, como eu renunciara a Gilberte para reaparecer-lhe um dia sob cores amáveis, destinava a sua obra a alguns, como um retorno a eles, em que, sem o rever, o amariam, o adorariam, falariam a seu respeito; uma renúncia não é sempre total desde o princípio, quando a decidimos com a nossa alma antiga e antes que, em reação, tenha ela agido sobre nós, quer se trate da renúncia de um doente, de um monge, de um artista, de um herói. Mas se ele tinha querido produzir em vista de algumas pessoas, ao produzir vivera para si mesmo, longe da sociedade a que se tornara indiferente; e a prática da solidão lhe dera o amor da mesma, como acontece com toda grande coisa que a princípio tememos, porque a julgávamos incompatível com coisas menores a que nos apegávamos e de que ela menos nos priva do que nos desliga. Antes de a conhecer, toda a nossa preocupação é saber em que medida podemos conciliá-la com certos prazeres que deixam de ser logo que a conhecemos.

Sabe, Pedro, acho que, em nosso caso, pode ter acontecido algo semelhante a isso. Separadamente ou em conjunto, quando sequer nos conhecíamos, e mesmo depois disso, já desde muito cedo, sem qualquer explicação, aprendemos a cultuar a solidão. Acho que nos perdemos nesse caminho, desatentos a uma espécie de “presença-ausente” que acompanha essa condição. Ela esteve em nós e, principalmente, entre nós muitas vezes. Ela foi determinante, em que pese a sua importância e riqueza em vista do necessário exercício reflexivo, para a nossa separação. Ainda não conseguimos nos ceder para o outro. E vivemos muitas vezes juntos, mas separados. Então, nos perdemos um do outro. E, no meu caso, eu sinto como se tivesse me perdido de mim mesma e de muitos dos meus amores...

Às vezes penso que um exercício da vida adulta é aprender a realizar o movimento de viver uma vida conjunta, levando um outro (ou vários deles) em consideração, mas sem abordar o projeto de felicidade individual. Em algum ponto do nosso relacionamento achei que tivéssemos realizado isso. Já não tenho mais certeza. O que as minhas lembranças me apontam é que o fizemos, embora não tenhamos sabido construir os limites da nossa vida individual e de casal. Enfim, mas do que uma insegurança em relação às outras pessoas no mundo, o nosso relacionamento sofreu de uma insegurança, e de uma desconfiança, que ambos nutrimos em relação ao outro, no que diz respeito às nossas próprias concepções de relacionamento. E a maneira pela qual nós impomos as nossas convicções foi triste e sofrida.


Em que pese tudo isso, nos amamos muito e lindamente. Angustiante que seja esperar, o fragmento sobre a renúncia me conforta e me faz pensar que, quando tiver de ser, ela acontecerá para nós dois.

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